As presidenciais e o voto católico
Bernardo Brochado
Embora com a pandemia a assombrar a sua realização, as eleições presidenciais ocorreram mesmo no passado dia 24 e a abstenção acabou até por nem ser tão elevada como se previa inicialmente. Quanto aos resultados, há análises para todos os gostos nos jornais e na internet. Quanto a nós, considerámos ser uma boa oportunidade para aprofundar um pouco o que é que a Igreja nos ensina sobre o voto dos católicos.
As eleições presidenciais têm uma especificidade que as distingue de todas as outras: são as únicas eleições no nosso País em que se vota numa pessoa e não numa “lista de pessoas” ou num partido. Assim, apesar de os partidos apoiarem tradicionalmente alguns candidatos, estas eleições acabam por ser as mais personalizadas.
O Presidente da República eleito não governa, embora tenha algum poder executivo. No nosso sistema semi-presidencialista, o Presidente é o primeiro representante da Nação, sendo um dos seus três símbolos, em conjunto com a Bandeira e o Hino nacional. Dito isto, os seus poderes formais mais importantes são a possibilidade de dissolver a Assembleia da República, demitir o Governo, promulgar leis, vetá-las ou enviá-las para o Tribunal Constitucional. Mas o seu poder informal, embora mais discreto (normalmente) acaba por ser tão ou mais importante que estes poderes formais. Isto, porque cabe ao Presidente da República ser o garante do bom funcionamento das instituições democráticas e, embora o faça, também, com recurso aos seus poderes formais, é sobretudo através da magistratura de influência que o Chefe de Estado o consegue fazer.
Por ser assim, é importante que o Presidente seja, além de doutrinalmente robusto, uma entidade de reconhecido prestígio, com conhecimento profundo do País e capacidade de representação de todos nós. Deve ser, ainda, alguém capaz de estabelecer diálogo entre os diferentes partidos, instituições e, naturalmente, a população, nas suas diferentes sensibilidades.
Mas a eleição presidencial do passado dia 24 foi de grande importância, também, por vários outros motivos. Em primeiro lugar, ocorreu num momento em que há um Governo minoritário, o que aumenta a instabilidade política, principalmente quando estão presentes no Parlamento mais partidos do que em qualquer outro momento da nossa história recente. Em segundo lugar, acresce a estes elementos de instabilidade, a existência de uma crise sanitária para a qual o país (e o Governo, em particular) estavam pouco preparados. Finalmente, estava em jogo a aprovação da eutanásia – como falámos no último mês e como recordou o nosso Pároco – através de uma lei iníqua que, a par de outras leis como a do aborto, fere de morte (literalmente) o nosso ordenamento jurídico e moral. Assim, o Chefe de Estado eleito teria de colher uma percentagem relevante dos votos. Só dessa forma teria a legitimidade e a força política necessárias para enfrentar todos os desafios enumerados.
Compreende-se agora a relevância que tinha o voto dos cidadãos nesta eleição em particular. E não só o voto, mas o voto num candidato específico e não nulo ou em branco.
Mas qual seria, então, o candidato ideal para um Católico de consciência bem formada?
A resposta curta é: nenhum.
“Nenhum”, não por não haver nenhum candidato em que os católicos pudessem votar, mas porque não existem candidatos ou partidos que sejam “apoiados” pela Igreja. Mesmo que alguma entidade se afirme como o “candidato católico” ou o “partido dos católicos”, o ensinamento tradicional da Igreja não obriga a que se vote nesse candidato ou partido. A Igreja apoia determinadas iniciativas ou leis e condena outras, mas nunca, em nenhuma eleição, apoia directamente um candidato. E esse é o ponto que nos parece mais importante deixar claro neste artigo.
Como na generalidade das matérias, a abordagem tradicional da Igreja quanto à participação política dos cidadãos é de que cada um de nós deve votar em liberdade. Nem podia ser de outra forma. Só assim podemos ser responsáveis pelo voto que fazemos… ou que deixamos de fazer.
É importante, neste momento, deixar claro que com liberdade estamos a referir-nos, não à concepção relativista moderna de liberdade (seja ela a ausência de restrições ou a mera possibilidade de escolher entre diferentes alternativas), mas à concepção clássica – e verdadeiramente libertadora, perdoem-nos a redundância – de liberdade. Isto é, a liberdade como a capacidade de escolhermos o Bom e o Verdadeiro, mesmo que para isso seja necessário contrariar aquilo que poderia parecer mais óbvio ou confortável, em determinado momento.
Este conceito de liberdade é, portanto, indissociável da responsabilidade de ter uma consciência bem formada. É este o outro lado da moeda da autonomia absoluta que os católicos têm para votar. E é neste campo que a Igreja nos ajuda, oferecendo-nos critérios para uma decisão mais consciente.
Recordamos aqui os principais critérios e regras[1] que os católicos devem ter obrigatoriamente em consideração no momento de votar:
- A defesa incondicional da vida (desde a concepção até à morte natural);
- A tutela e promoção da família (fundada no matrimónio monogâmico entre pessoas de sexo diferente);
- A garantia da liberdade de educação;
- A tutela social dos menores e o combate às modernas formas de escravidão (por exemplo, a droga e a prostituição);
- A defesa do direito à liberdade religiosa;
- O progresso para uma economia ao serviço da pessoa e do bem comum;
- A promoção da paz, entendida como fruto da justiça e efeito da caridade.
São estas, por assim dizer, as linhas vermelhas que qualquer católico consciente enfrenta no momento de votar em candidatos, partidos ou leis, no caso dos políticos católicos. São, ensina-nos a Igreja assistida pelo Espírito Santo, “princípios morais que não admitem abdicações, excepções ou compromissos de qualquer espécie”[2], onde se inclui o problema gravíssimo da eutanásia, tal como explicado no nosso anterior artigo.
Tenhamos então presente nas nossas orações o Presidente da República eleito, para que Nosso Senhor lhe dê a fortaleza e o amor pela Verdade e pela Vida necessários para rejeitar esta lei injusta e, também, para que o Tribunal Constitucional a considere inconstitucional.
Bernardo Serrão Brochado
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[1] Cf. CDF, NOTA DOUTRINAL sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política, n. 4; disponível aqui.
[2] Ibid.