CARTA ABERTA
a Sua Excelência, o Senhor Presidente da República
sobre a inconstitucionalidade da
legalização da eutanásia e do suicídio assistido
Senhor Presidente da República,
Excelência
A Associação dos Juristas Católicos felicita Vossa Excelência pela reeleição para o cargo de Presidente da República.
Num contexto de gravíssima difusão de uma pandemia mortífera que tem motivado os maiores esforços e sacrifícios para salvar o maior número de vidas possível, quis uma maioria parlamentar aprovar uma lei em que se estabelecem as condições para se poder pôr termo à vida através da eutanásia e do suicídio assistido.
Recai agora sobre Vossa Excelência a pesada responsabilidade de tomar uma decisão a tal respeito, no quadro das funções que a Constituição lhe atribui.
Continua a ser nossa firme convicção a de que a legalização da eutanásia e do suicídio assistido viola claramente os mais basilares princípios constitucionais.
O artigo 1.º da Constituição da República elege como valor supremo a respeitar pela nossa ordem jurídica a dignidade da pessoa humana, e essa dignidade é um valor que resulta só do facto de se ser pessoa humana, sem mais. A pessoa é a sua vida e por isso é que a proteção da dignidade de todas e cada uma das pessoas pressupõe, antes de mais nada, a proteção das respetivas vidas. em termos radicais (excetuadas as situações de legítima defesa, em que continua a estar sempre em causa a proteção da vida humana).
O princípio e a garantia da inviolabilidade da vida humana estão consagrados no artigo 24.º, n.º 1, da nossa Lei Fundamental e encabeçam o título nesta dedicado aos direitos, liberdades e garantias. Compreende-se que assim seja, pois a vida é o pressuposto de todos os direitos fundamentais. Atentar contra a vida é destruir a fonte e a raiz de quaisquer direitos.
A inviolabilidade da vida humana é aí afirmada de modo assertivo, categórico e incondicional («A vida humana é inviolável»). Essa inviolabilidade não comporta exceções. Não é exceção a essa inviolabilidade o eventual consentimento do titular da vida (consentimento cuja autenticidade seria, de resto, sempre questionável). A vida é inviolável mesmo com o consentimento da vítima. Por isso, sempre têm sido puníveis o homicídio a pedido e o auxílio ao suicídio. O direito à vida é irrenunciável e indisponível, assim como independente do seu reconhecimento pelo Estado.
Não tem sentido contrapor a inviolabilidade da vida humana aos direitos e princípios constitucionais de liberdade e autonomia individuais, como se estes sobre ela pudessem prevalecer, precisamente porque a vida é o pressuposto desses direitos. Pode haver vidas sem liberdade, mas não há liberdades sem vida.
A legalização da eutanásia e do suicídio assistido viola, assim, o princípio e a garantia da inviolabilidade da vida humana consagrados no artigo 24., n.º 1, da Constituição.
Mas a legalização da eutanásia e do suicídio assistido viola também os princípios da dignidade humana (artigo 1º da Constituição) e da igualdade (artigo 13.º desse diploma).
Da conjugação desses princípios decorre que todas as vidas, em todas as situações e em todas as suas fases, são igualmente dignas. A dignidade da vida nunca se perde. Não há vidas indignas de ser vividas. Não há vidas que por qualquer motivo deixem de merecer a mesma proteção. E a supressão da vida nunca pode ser entendida, obviamente, como medida de proteção.
Ora, o que se verifica é que a legalização da eutanásia e do suicídio assistido parte da ideia de que há vidas que deixariam de merecer proteção porque são marcadas pela doença e pelo sofrimento. Essas vidas deixariam de merecer proteção porque estariam desprovidas da dignidade que é própria de quaisquer outras vidas que não estejam nessa situação (as quais continuariam a merecer proteção).
Mas a resposta à doença e ao sofrimento que marcam tais vidas não pode ser a morte provocada. Há de ser o acesso aos cuidados paliativos, de que ainda estão privados muitos portugueses (com o que também é violado o princípio da igualdade).
Excelência,
Se procedêssemos à análise detalhada da Lei ora em foco, esbarraríamos ainda com muitos aspetos inquietantes, desde os conceitos pouco claros às disciplinas incompreensíveis ou de difícil execução. Mas queremos centrar-nos nas questões essenciais, que acima delineamos.
Assim, atrevemo-nos a solicitar a Vossa Excelência que requeira a fiscalização preventiva da constitucionalidade da legalização da eutanásia e do suicídio assistido ao Tribunal Constitucional.
Consideramos que vale a pena envidar, até ao fim, todos os esforços no sentido de obstaculizar à legalização da morte provocada (através da eutanásia e do suicídio assistido) no nosso País e continuamos a confiar na integridade e sensatez de Vossa Excelência.
Com os mais respeitosos cumprimentos
Lisboa, 31 de janeiro de 2021
Pel´A Direção da Associação dos Juristas Católicos
José Lobo Moutinho