Existem realidades além da material?

Gonçalo Andrade

Na sociedade em que vivemos, parece que só é real aquilo que é material, o que pode ser visto e tem uma existência física. Mas será realmente assim?

Sir Roger Penrose foi um dos galardoados com o Prémio Nobel da Física em 2020, “pela descoberta de que a formação de buracos negros é uma previsão robusta da teoria da relatividade geral”.

Penrose, um dos mais prestigiados cientistas do mundo, é também conhecido pelos seus interesses além da Física. Numa série de entrevistas para o programa Closer to Truth, Penrose fala sobre a realidade imaterial através desta questão: “a matemática é descoberta ou inventada?”

A matemática é a melhor ferramenta que temos para fazer ciência. Alguns conceitos e descobertas são mesmo incompreensíveis quando alienadas dela. Sir Isaac Newton descobriu uma teoria para a gravidade que continuou a bater certo com as experiências através dos séculos, até que as primeiras discrepâncias apareceram quando se tinham medições com sete casas decimais (no tempo de Newton só se conseguia medir até três casas). Depois veio Einstein e, com ideias conceptualmente simples, formulou uma nova teoria da gravitação que não só explicava as falhas de Newton, como ainda hoje continua a ser a teoria mais simples e que melhor descreve a gravidade. Formulada com medições com cerca de sete casas decimais, a gravidade de Einstein bate certo em medidas com catorze casas! Mas como pode a matemática, algo abstracto e aparentemente produzido pela mente humana, descrever com uma precisão tão extraordinária a realidade material?

Para Penrose a explicação é clara. Se uma teoria matemática tem esta capacidade de previsão que vai muito além do seu propósito inicial, é porque tem uma relação muito íntima com a realidade, ao ponto de a matéria que vemos à nossa volta se reger por ela. Mesmo que não existisse nenhum ser humano para pensar nestes modelos, o movimento das estrelas e planetas obedecer-lhes-ia, o que significa que há algo de universal na teoria. Isto revela sobre a natureza das coisas algo mais profundo do que se pensaria inicialmente. Esta estrutura matemática e racional da natureza tem uma existência real, caso contrário seria incompreensível este seu poder explicativo. Por outro lado, se existe, onde está esta estrutura? Como não está confinada a um local nem a nenhum bloco de matéria, diz Penrose, então é algo imaterial!

Ora se nós, que temos um corpo material, temos acesso ao mundo imaterial da matemática, então de alguma forma a nossa consciência interage com esse mundo. Este é outro ponto interessante da entrevista, onde o cientista britânico explica que acredita em três tipos de existência: a existência material, como as coisas que vemos à nossa volta; a existência de objectos abstractos e imateriais, como a Matemática; e a consciência, que de algum modo consegue interagir com as duas primeiras. De facto, Penrose acredita que existem aspectos da realidade que não são computáveis, ou seja, que não podem ser reduzidos a operações matemáticas. A consciência, diz ele, deve funcionar em parte com estas interacções não computáveis, por isso não é possível reproduzi-la através de máquinas lógicas como os computadores.

Na referida entrevista, o físico Penrose fala ainda na questão do Fine-Tuning, onde vemos que o universo está afinado para a vida de uma forma extraordinária. Normalmente o fine-tuning tem a ver com a afinação das constantes do Universo. Mas existe, segundo Penrose, uma afinação que torna sem importância todas as outras. Estamos a falar da entropia inicial do universo. Aqui vale a pena frisar que Penrose não acredita na existência de Deus, mas reconhece o facto avassalador de que este valor estava afinado numa parte em 10^(10^124), um número completamente incompreensível. Este nível de afinação requer uma explicação e, diz ele, refuta os argumentos de que o nosso universo é apenas um no meio de infinitos multiversos. De facto, se este valor fosse fruto do acaso, pequenas regiões ordenadas seriam bastante mais prováveis do que o espaço enorme que vemos à nossa volta. Não precisávamos de um universo tão ordenado para viver, bastava-nos uma região do tamanho do nosso Sistema Solar, ou da nossa Galáxia. Em vez disso, a vastidão do universo estende-se por milhares de milhões de anos-luz, em todas as direcções, algo que parece incoerente com a ideia de que foi aleatório.

Termino com um olhar Cristão sobre estas ideias de Penrose. À luz da Fé, é óbvio que existem realidades que não são materiais. Podemos pensar na Matemática, mas o próprio Deus é imaterial. Como Deus é o Logos, (“No princípio era o Verbo (Logos)” (Jo 1,1)), foi Ele quem criou o universo de acordo com uma estrutura racional e matemática. Depois, Deus criou o Homem à Sua imagem e semelhança, dotando-o de um corpo material com uma alma imaterial e racional. Não é por isso estranho que o Homem, com uma racionalidade semelhante à de Deus, tenha acesso a esse “mundo” das coisas imateriais que estão na base da realidade. Por fim, Deus “criou livremente o homem para o tornar participante da sua vida bem-aventurada” (CIC 1), sendo natural que a Criação tenha as condições necessárias para o Homem existir.

É impressionante que Roger Penrose, o mais recente prémio Nobel da Física, acredite num mundo imaterial por causa do que sabe sobre física e matemática. Mas mais interessante é ouvir as entrevistas de Penrose sabendo que só há uma Verdade, que é Deus, e que tanto a Ciência como a Fé provêm desse mesmo Deus. Assim, se temos Fé, sabemos que a Ciência, no seu melhor, nunca nos vai afastar de Deus, mas vai antes revelar-nos algo da Sua Natureza. “A Santa Igreja, nossa Mãe, atesta e ensina que Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido, com certeza, pela luz natural da razão humana, a partir das coisas criadas” (CIC 36).

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