Não toleramos, amamos (parte 1)
Bernardo Brochado
Algumas vezes, chega a altura de escrever este artigo e tenho dificuldade em escolher um tema que possa ter algum interesse. Este mês aconteceu precisamente o inverso. Há tantos assuntos para abordar, que se torna difícil escolher só um.
Podia falar sobre o mês das bandeiras LGBT; a polémica dos Bispos dos EUA relativamente à comunhão dos políticos que apoiam do aborto; o Relatório Matic; ou até o novo chumbo na secretaria dos alunos de Famalicão… e tanto haveria para dizer sobre cada um destes temas.
Face a tantas hipóteses e tendo em conta que todas elas estão ligadas de alguma forma, optei por escrever um artigo (do qual este é a primeira parte) em que abordo de forma muito sintética todos os temas referidos, mas, sobretudo, onde ofereço alguns recursos para quem queira aprofundar os seus conhecimentos sobre o que está em jogo.
Comecemos pelo início: o que têm em comum questões aparentemente tão díspares como um relatório do Parlamento Europeu, as bandeiras arco-íris ou a Missa onde vai o Presidente Biden? A resposta é simples: uma grave falta de profundidade.
Falta de profundidade da parte dos que partilham a aparentemente inocente bandeira, dos que acusam os Bispos dos EUA de “usar a Eucaristia como arma política” ou dos eurodeputados que votaram a favor do relatório que critica o direito de objecção de consciência dos médicos. Mas falta de profundidade, também, nossa, Católicos, que muitas vezes não estamos atentos, não conhecemos os assuntos ou – mais frequentemente – não sabemos explicar a posição da Igreja.
Há pouco tempo ouvia uma reflexão do Dennis Prager em que ele dizia, com alguma piada, que “vivemos num tempo em que se tornou rotina negar aquilo que é óbvio” (tradução minha) referindo-se, na reflexão em questão, à necessidade de explicar porque é que os pais são necessários. Não sendo o tema deste artigo, esta ideia é mais do que pertinente para compreender porque é que devemos estudar matérias que aparentemente são mero bom-senso.
Um desses casos é a nova moda de durante o mês de Junho haver uma tempestade de arco-íris um pouco por todo o lado, como forma de apoio às pessoas com tendências homossexuais.[1] Parece tratar-se do mais banal que se pode imaginar. Quem não é a favor do respeito, tolerância e inclusão de todas as pessoas? Acontece que não é exactamente esse o caso…
De há uns anos a esta parte, decidiu-se que Junho é o mês do “orgulho LGBT”. Na origem desta invenção estiveram protestos violentos de pessoas com atracções homossexuais e pessoas transexuais em Junho de 1969, que decorreram em Nova Iorque e que ficaram conhecidas como Stonewall riots. Vivia-se numa altura em que naquele país ainda existiria alguma discriminação injusta em relação a estas pessoas que queriam apenas ser deixadas em paz. Nos anos seguintes, seguem-se uma série de manifestações e paradas temáticas invocativas destes protestos e assim, do outro lado do Atlântico, aos poucos, o mês de Junho foi ficando associado a esta causa.
Em 1999, pela primeira vez, um Presidente dos EUA declara oficialmente o mês de Junho como o “Gay & Lesbian Pride Month”. Durante o mandato de George W. Bush há um interregno, mas a partir de 2009, com Obama, Junho volta a ser declarado oficialmente como “LGBT Pride Month”. Com a eleição de Biden, regressaram as declarações formais, sendo que a nomenclatura deste ano foi a de “LGBTQ+ Pride Month”.
Repare-se que o movimento até começou com uma causa justa: combater a violência e a humilhação a que estava exposto um grupo de pessoas, mas muito rapidamente se deixou passou do combate à discriminação injusta, para a abolição das discriminações justas: como a reivindicação do “casamento” homossexual consagrado na lei civil, obviamente sem a possibilidade de adopção. Logo depois veio a exigência afinal da adopção e do acesso a tratamentos de PMA e hoje, com todos esses direitos garantidos, a exigência é a de que todos tenhamos “orgulho” da vida sexual alheia e em qualquer decisão privada que as pessoas façam, independentemente de ser boa ou má para elas. E, já agora, orgulho? Orgulho é um vício oposto à humildade. Não é recomendável… Por isso mesmo, a contra-revolução do “orgulho hétero” também não me parece a melhor abordagem. Enfim, passou-se, em suma, da tolerância e inclusão para a tirania e imposição. Deixou de ser aceitável ter uma opinião que não a validada centralmente pela moda. Eis o significado da bandeira arco-íris. E eis o porquê de haver tantas pessoas com tendências homossexuais que se recusam a usar este símbolo.
Embora tudo isto não tenha nada muito que ver com a nossa cultura nem esteja relacionado com qualquer evento que nos diga respeito, nos últimos anos, temos verificado que na Europa se começa a adoptar este evento americano só para parecermos sofisticados ou, no caso das empresas, por razões comerciais.
No mundo ocidental, todas as Constituições proíbem a discriminação de pessoas com base nas suas tendências afectivas. No mundo ocidental – a própria ILGA o reconhece – as pessoas homossexuais são protegidas e aceites pela legislação. Além disso, sejamos objectivos: a generalidade das pessoas não são “homofóbicas. Tenhamos isso presente.
Gostaria ainda de realçar que, ainda que as pessoas partilhem a bandeira arco-íris com boas intenções, como acredito sinceramente que fazem, não basta a boa intenção para que uma acção seja boa.
Numa das mais importantes encíclicas de todos os tempos, S. João Paulo II, em linha com o pensamento filosófico de S. Tomás de Aquino, explica muito claramente esta questão:
«(…) [O] agir humano não pode ser considerado como moralmente bom só porque destinado a alcançar este ou aquele objectivo que persegue, ou simplesmente porque a intenção do sujeito é boa. O agir é moralmente bom, quando atesta e exprime a ordenação voluntária da pessoa para o fim último e a conformidade da acção concreta com o bem humano, tal como é reconhecido na sua verdade pela razão. Se o objecto da acção concreta não está em sintonia com o verdadeiro bem da pessoa, a escolha de tal acção torna a nossa vontade e nós próprios moralmente maus e, portanto, põe-nos em contraste com o nosso fim último, o bem supremo, isto é, o próprio Deus.»[2]
Por esta razão, temos uma grave obrigação de ser prudentes e conhecer muito bem o que partilhamos nas redes sociais e as causas que apoiamos. No caso da bandeira arco-íris, esta obrigação reveste-se de especial importância dada a iliteracia generalizada sobre o seu significado, que é, como vimos, perverso e inaceitável para o Católico.
Além do significado já apresentado, a bandeira arco-íris ou “bandeira LGBTQI+” é, ainda, o símbolo de uma nova visão antropológica que faz tábua rasa não só do entendimento cultural tradicional do mundo ocidental, mas também da própria ciência (em particular da biologia). Repare-se que ao início se falava apenas em “Lésbicas” e “Gays”, mas rapidamente se associou ao activismo os “Bissexuais” e os “Transexuais” e mais tarde os “Queer” e agora os “Intersex”, entre vários outros adjectivos que já não se limitam às inclinações ou tendências sexuais, mas remetem já para outras características físicas e psíquicas da pessoa humana, como o sexo com a qual se identificam, ou o nível de líbido que sentem. Estamos perante um corpo de ideias relativista e revolucionário, por vezes chamado “Ideologia de Género”[3], criado em meios académicos e promovida por organizações como a ONU e sem qualquer adesão à realidade. Esta ideologia diz, basicamente, que o sexo biológico não determina o “género” da pessoa e, portanto, qualquer pessoa pode escolher se é homem, mulher ou então outro “género” qualquer de um cardápio que, por exemplo, no Facebook, já vai em mais de 50 opções.
Esta trapalhada, que começa a roçar o absurdo, vai aproveitar elementos do Marxismo. Repare-se que já não se fala em luta de classes, mas em luta de identidades, raças, preferências afectivas, etc… Em que há os opressores, tipicamente o homem caucasiano e heterossexual, e os oprimidos, que são todos os outros. É uma ideologia, portanto, que promove a guetização da comunidade, dividindo-a em várias tribos que supostamente se devem combater o que, naturalmente, não podia ser mais oposto ao Catolicismo que não quer dividir homens contra mulheres e “héteros” contra “gays”, mas unir todos, reconhecendo a sua infinita dignidade por serem feitos – TODOS – à imagem e semelhança de Deus.
Um Católico não identifica um irmão seu como negro, branco, gay, htero, não binário ou pansexual. Um Católico identifica todos estes como pessoas, irmãos em Cristo, que deve amar e respeitar, independentemente das suas preferências, raças ou outras características pessoais que, sem dúvida, têm influência na pessoa, mas – de forma nenhuma – a definem.
Fica, assim, claro que a bandeira LGBT não é um símbolo de tolerância ou respeito por pessoas com determinadas características, mas um símbolo de intolerância para quem não alinhe com esta nova visão neo-marxista da realidade. E mesmo que fosse um sinal de tolerância, seria importante reflectir sobre se o devíamos apoiar, visto que a palavra “tolerância”, neste contexto, ser mais sinónimo de indiferença, de deixar que os outros façam o que quiserem desde que “não me prejudiquem” o que, por si só, já é contrário à Regra de Ouro e nos faz lembrar a trágica questão de Caim: «Sou, porventura, guarda do meu irmão?» (Gn. 4, 9).
Neste sentido, podemos dizer que não somos chamados a tolerar, mas a amar. Não somos chamados a propagar a “globalização da indiferença”[4] em nome de uma pretensa “liberdade individual” que destrói, mas do fundo do nosso coração amar cada pessoa desejando para ela nada menos que a felicidade plena. É esta a caridade cristã, que implica um compromisso firme com a verdade.
Desta forma, enquanto as empresas alegremente mudam os seus logótipos para ficarem mais coloridos e os ideólogos incentivam a que cada um seja o que quer, independentemente do seu sexo biológico, a Igreja preocupa-se em transmitir a estas pessoas que não é esse o caminho para a felicidade terrena e, mais importante ainda, para a felicidade eterna.
Nas palavras do Papa Francisco, na sua encíclica Laudato Si:
A ecologia humana implica também algo de muito profundo que é indispensável para se poder criar um ambiente mais dignificante: a relação necessária da vida do ser humano com a lei moral inscrita na sua própria natureza. Bento XVI dizia que existe uma «ecologia do homem», porque «também o homem possui uma natureza, que deve respeitar e não pode manipular como lhe apetece». Nesta linha, é preciso reconhecer que o nosso corpo nos põe em relação directa com o meio ambiente e com os outros seres vivos. A aceitação do próprio corpo como dom de Deus é necessária para acolher e aceitar o mundo inteiro como dom do Pai e casa comum; pelo contrário, uma lógica de domínio sobre o próprio corpo transforma-se numa lógica, por vezes subtil, de domínio sobre a criação. Aprender a aceitar o próprio corpo, a cuidar dele e a respeitar os seus significados é essencial para uma verdadeira ecologia humana. Também é necessário ter apreço pelo próprio corpo na sua feminilidade ou masculinidade, para se poder reconhecer a si mesmo no encontro com o outro que é diferente. Assim, é possível aceitar com alegria o dom específico do outro ou da outra, obra de Deus criador, e enriquecer-se mutuamente. Portanto, não é salutar um comportamento que pretenda «cancelar a diferença sexual, porque já não sabe confrontar-se com ela».
(Continua no artigo do próximo mês)
Recursos úteis:
- Filme “Desire of the Everlasting Hills” (com legendas em português) onde três pessoas com tendências homossexuais partilham a sua jornada desde a infelicidade proporcionada pela “liberdade” e “tolerância” oferecidas pelo mundo, até à felicidade de uma vida plena de sentido e da Liberdade que encontraram na união profunda com Deus na Igreja Católica.
- Entrevista comovente dada por um dos participantes do filme já mencionado, onde aprofunda a sua história e transmite às pessoas que, como ele, se sentem atraídas por outras do mesmo sexo, a sua visão sobre como é que uma vida de acordo com os ensinamentos da Igreja pode ser conseguida e trazer inigualável felicidade.
- Nota da CEP sobre a “Ideologia de Género”, documento muito completo que analisa com profundidade e justiça esta perigosa ideologia que, cada vez mais, nos quer ser imposta pelos políticos ocidentais.
- Ainda sobre a Ideologia de Género, vale muito a pena ouvir o Prof. Diogo Costa Gonçalves. Deixa-se aqui uma formação dada pelo professor disponível no YouTube em 5 partes.
- Documentário Brainwash que analisa, entre outras questões, a Ideologia de Género e a questão LGBT. Documentário já antigo mas muito importante, na medida em que denunciou a fraude anti científica que estas ideologias representam.
- Artigo sobre a história e licitude moral do uso da bandeira LGBT.
- “The Gender Agenda“, de Dale O’Leary, que analisa a forma meticulosa como a chamada “Ideologia de Género” tem vindo a ser preparada e propagada.
- Compilação de Magistério e outros documentos importantes sobre esta matéria, preparada pela Conferência Episcopal dos EUA.
[1] Tem graça verificar que curiosamente (ou não) esta manifestação de apoio acontece sobretudo nos países onde é menos necessário, sendo que nos países em que existe verdadeira repressão e violência as empresas “inclusivas” se abstêm de utilizar estas bandeiras. Este pequeno pormenor é bastante significativo.
[2] Carta enc. Veritatis Splendor (1993), disponível aqui
[3] Note-se que o nome “Ideologia de Género” não é, ardilosamente, aceite pelos seus preponentes. Desta forma, conseguem fugir da discussão séria sobre o assunto, afirmando que se trata de uma conspiração da Igreja ou de partidos de direita (Exemplo).
[4] Expressão utilizada pelo Papa Francisco em várias ocasiões.