Um sínodo pouco sinodal: o que não está a correr bem na forma como o processo tem sido conduzido
por Bernardo Serrão Brochado
- Da origem e relevância do Sínodo como instituição
A palavra Sínodo significa literalmente “caminhar em conjunto”.
A designação no sentido que habitualmente é atribuído – Sínodo dos Bispos –surgiu quando S. Paulo VI, em 1965, no final do Concílio Vaticano II, anunciou a criação deste novo órgão consultivo, que teria o objectivo de auxiliar o Papa na reflexão sobre as matérias para as quais o Sínodo fosse convocado. Foi formalizado pela carta apostólica Apostolica Sollicitudo na sequência do pedido feito pelo Concílio para que os bispos se envolvessem mais visivelmente cum Petro et sub Petro nas matérias relacionadas com a Igreja universal[1]. A carta foi depois enriquecida com uma série de outros documentos, sendo, no entanto, a base para o que no Código de Direito Canónico se diz sobre este órgão.
O Sínodo dos Bíspos representa de alguma forma todo o colégio episcopal, simbolizando a ligação dos Bispos ao Papa e dos próprios Bispos entre si.[2] O facto de ser um órgão meramente consultivo não reduz a sua importância, já que na Igreja, qualquer organismo – seja deliberativo ou consultivo – procura sempre a verdade e o bem da Igreja (cf. Ordo Synodi Episcoporum, 2006). Deve ainda sublinhar-se que, naturalmente, em matérias que digam respeito à própria Fé, o consensus ecclesiae não é determinado pela contagem de votos, mas pela acção do Espirito Santo, como S. João Paulo II deixou claro a este propósito.[3]
A importância deste organismo tem vindo a ser sublinhada pelo Sumo Pontífice em diversas ocasiões, das quais se deve destacar a Constituição Apostólica Episcopalis communio, publicada em 2018, integrando o Sínodo dos Bispos no contexto da sinodalidade enquanto dimensão constitutiva da Igreja. Esta constituição reforça ainda os poderes do Sínodo indicando que as conclusões presentes no documento final fazem parte do Magistério ordinário do sucessor de Pedro[4]. Como indica o mesmo documento, para que isto se verifique, as conclusões têm de ser “expressamente aprovadas” (sic) pelo Papa, mesmo nos casos em que o Pontífice tenha dado a priori poder deliberativo ao Sínodo.
- O Sínodo sobre a sinodalidade
É, pois, neste contexto de grande valorização do Sínodo como instituição, que o Papa convocou um Sínodo em 4 fases entre 2021 e 2023 sob o mote “Para uma Igreja Sinodal: Comunhão, Participação e Missão”, num esforço global para compreender como é que a Igreja pode ser mais sinodal.[5]
Em concreto, este sínodo é orientado por uma questão fundamental, a saber: Como é que este “caminhar juntos” tem lugar, hoje, a diferentes níveis (desde o local ao universal), permitindo que a Igreja anuncie o Evangelho? E quais os passos que o Espírito nos convida a dar para crescermos como Igreja sinodal?[6]
É uma pergunta, creio, não só legítima, como necessária num momento em que, não só na Igreja, mas na sociedade como um todo, observamos uma forte polarização entre aqueles que pensam de forma diferente. Por outro lado, a pergunta é também importante atendendo aos novos desafios que hoje se colocam à Igreja.
Como não podia deixar de ser, este sínodo, embora tenha sido aberto à participação de todos, pretende alicerçar as suas conclusões, em primeiro lugar, “na Sagrada Escritura e na Tradição viva da Igreja”[7]. Aliás, embora tenham surgido imediatamente desconfianças sobre se as conclusões do Sínodo não estariam já decidias à partida, os documentos oficiais deixam claro que “[o] Processo Sinodal é, antes de mais, um processo espiritual. Não é um exercício mecânico de recolha de dados ou uma série de reuniões e debates. (…) Fomentar a participação leva-nos a envolver outros que têm opiniões diferentes das nossas. Ouvir aqueles que têm os mesmos pontos de vista que nós não dá frutos. O diálogo implica encontrar-se com opiniões diferentes. De facto, muitas vezes, Deus fala através da voz daqueles que, facilmente, podemos excluir, pôr de lado ou deixar de contar com eles.”[8]
Compreende-se então que, embora se possa criticar o processo pela ambição generosa de querer a participação de todos, incluindo os não baptizados, esta iniciativa tem o seu valor, talvez não tanto pelas conclusões a que se chegue, como pela própria experiência de promover discussões e reflexão sobre a Igreja e os desafios que enfrenta hoje.
Num momento em que nos preparamos para entrar na terceira fase deste processo, vale a pena fazer uma análise sobre a forma como têm corrido os trabalhos, com liberdade e caridade.
- Conclusões preliminares
Aqui chegados e à medida que se vão conhecendo os relatórios das várias conferências episcopais, as conclusões não são particularmente positivas. Creio que há três problemas que deverão ser tidos em conta ao longo do resto do processo.
Em primeiro lugar, sendo o objectivo do Sínodo abranger uma grande diversidade de visões e vivências, seria importante verificar-se uma participação significativa para que as conclusões do Sínodo tenham alguma utilidade – já para não referir validade.
Quanto a isto, infelizmente, temos de dar razão aos mais cépticos, uma vez que um pouco por todo o mundo a participação foi um fracasso. Não só em termos gerais – onde as taxas de participação terão rondado os 1%[9] – como entre os católicos mais assíduos e/ou participantes de movimentos e paróquias, onde, ainda assim, cerca de 90% não participaram, de acordo com os dados disponíveis.
Um segundo problema tem que ver com a qualidade e abrangência dos relatórios que já se vão conhecendo dos vários países. Aparentemente, não só o processo não está a ser representativo por falta de participação, como não está a ser representativo na medida em que os poucos que participaram não encontraram nos relatórios finais nada remotamente semelhante com os seus contributos.
O relatório português já será seguramente conhecido entre todos nós. Como sabemos, deu origem a uma série de protestos na forma de cartas abertas e artigos de opinião, que o Filipe d’Avillez teve a generosidade de compilar aqui. De entre todas as manifestações elencadas – geralmente em tom cordial e construtivo – permito-me aconselhar a leitura do extraordinário trabalho levado a cabo pelos padres Mons. Duarte da Cunha e Ricardo Figueiredo, que analisaram todos os relatórios diocesanos para preparar um relatório alternativo e mais representativo.
Mas não só em Portugal como em toda a Europa e nos EUA tem havido manifestações semelhantes, criticando a falta de representatividade dos relatórios, bem como a estranha coincidência entre as supostas conclusões e as agendas progressistas – já por diversas vezes travadas pelo Papa Francisco[10] – que muitos tinham previsto serem as conclusões já definidas a priori do Sínodo.
Aos dois problemas já mencionados – a muito fraca participação e os relatórios pouco representativos –temos de acrescentar um terceiro problema que é um fraquíssimo trabalho de gestão de danos por parte do Secretariado do Sínodo, que não está a conseguir recuperar a credibilidade perdida.
Antes pelo contrário, parecem querer insistir numa tautologia de que as conclusões do Sínodo são representativas do sensus fidelium e cavalgar sozinhos as agendas progressistas já referidas. O exemplo mais chocante e recente disto mesmo foi a publicação de uma série de desenhos bizarrosnos canais oficiais do secretariado incluindo mulheres de casula e apoio a ideologias LGBT.
Paradoxalmente, quem acompanha e se interessa por estes processos são católicos comprometidos com a sua Fé e doutrina que, obviamente, não acompanham este tipo de activismos, tendo-se gerado rapidamente uma onde de protestos e de críticas nas redes sociais do Secretariado do Sínodo.
A isto, podemos ainda acrescentar a entrevista dada em Fevereiro pelo relator geral do Sínodo afirmando que o ensino da Igreja sobre homossexualidade estaria errado; a linguagem exagerada e pouco sensata da sub-secretária do Sínodo afirmando que “este Sínodo será o maior evento histórico desde o Concílio Vaticano II”; e, ainda, a promoção de recursos pouco ortodoxos no site oficial, como o “New Ways Ministry” e a “Conferencia para a ordenação das mulheres”.
Posto isto, é importante separar o trigo do joio e deixar claro que, não só o Sínodo dos Bispos é uma instituição importante e desejada pelo Concílio, de onde já saíram documentos muito relevantes como a Evangelii nuntiandi, a Familiaris consortio ou a Sacramentum caritatis, como a pergunta deste sínodo é da maior pertinência: nos tempos em que vivemos é importante discutir estratégias pastorais que nos permitam chegar às tais periferias existenciais que preocupam o Papa:
- Como podemos melhorar o modelo de catequese? Em particular, num momento em que a norma é cada vez menos o percurso normal para passar a ser uma lógica de conversões mais tardias que dificilmente encontram comunidades onde se inserir nas paróquias, apesar do bom trabalho feito neste campo pelos movimentos;
- Mesmo entre os que fazem o percurso catequético normal, o que poderá ser melhorado para que não haja taxas de abandono tão grandes após a celebração do Sacramento da Confirmação?
- Que respostas podemos dar ao cada vez maior número de pessoas divorciadas que têm de ser acolhidas, amadas e amparadas também?
- E mesmo quanto às pessoas que sentem atração por pessoas do mesmo sexo ou que sofrem de disforia de género? Como podemos anunciar eficazmente o Evangelho?
Felizmente já existem respostas locais que têm resultado muito bem, como equipas de casais em situação irregular ou o apostolado Courage International, que tem feito um extraordinário trabalho junto das pessoas com atrações desordenadas. São exemplos que o Sínodo poderia aproveitar para apoiar e universalizar.
Em qualquer caso, é evidente que há muito trabalho que a Igreja como instituição pode fazer para ser mais sinodal, para que caminhemos todos mais em conjunto. Mas no centro desse trabalho deve estar o desejo missionário de chegar a todos, o desejo de compreender como podemos levar estas pessoas a Cristo. De modo algum, o trabalho do Sínodo pode ser o de encontrar caminhos para que estas pessoas, mantendo-se afastadas do amor redentor de Cristo, se sintam menos mal consigo próprias. Não é este o papel da Igreja, e, como ficou demonstrado acima, nem é este o papel do Sínodo. Será que estes responsáveis, ocupados em reuniões e dinâmicas várias, se esqueceram de reler os documentos preparatórios que eles mesmos redigiram?
A modalidade moderna de lidar com os problemas reduz-se a um relativismo prático, ao fazer de conta que o erro não é erro, que o mal não é mal. Mas esta abordagem não só não resolve o problema, como destrói a pessoa que o tem. Além disso, o Secretariado do Sínodo, ao querer adoptar esta abordagem mundana com a intenção de chegar a mais pessoas, só fará com que este processo caia ainda mais na insignificância já que as pessoas feridas procuram um médico que as cure e não de uma Igreja que faz aquilo que o mundo já faz. Para isso ficam no mundo. A Igreja – hospital de campanha – não retira o sofrimento à pessoa dizendo que o mal não é mal e o bem é o que nos quisermos que seja. A Igreja dá um sentido ao sofrimento e apresenta propostas para que se possa viver uma vida mais plena e feliz já nesta terra.
A resposta última para a pergunta do Sínodo tem de ser sempre aproximar as pessoas de Cristo e da Sua Igreja. Para isso mesmo, Cristo deu-nos uma Igreja e não um parlamento.
Bernardo Serrão Brochado
[1] Cf. Const. Dogmática Lumen Gentium
[2] CIC, cânon 342
[3] João Paulo II, Exortação Apostólica pós-sinodal Pastoris Gregis
[4] Cf. Constituição Apostólica Episcopalis communio, Art. 18
[5] Cf. Vademecum para o Sínodo sobre a Sinodalidade, 1.3
[6] Documento Preparatório para o Sínodo sobre a Sinodalidade, 2
[7] Cf. Vademecum para o Sínodo sobre a Sinodalidade, 1.3
[8] Ibidem, 2.2
[9] A taxa média de participação de Portugal é estimada em cerca de 1.14%, de acordo com os relatórios diocesanos. O valor está em linha com o verificado em países como os EUA, França, Luxemburgo, Bélgica, Reino Unido, Irlanda e Bélgica, conforme os dados compilados aqui
[10] Sobre a temática da ordenação de mulheres e de homens casados recorde-se o caso do Sínodo da Amazónia em que o Papa rejeitou a pretensão de certos grupos de pressão progressistas que desejavam abrir brechas no ensino tradicional sobre o sacerdócio; Sobre a questão das bênçãos a “casamentos” entre pessoas do mesmo sexo, recorde-se o responsum da CDF; Sobre a questões como o aborto, eutanásia e agendas LGBT, o Papa tem sido reiteradamente claro na sua rejeição, não só em documentos oficiais como em entrevistas, etc.