Jubileu da vida consagrada
ENTREVISTA À IRMÃ MARIA MENDES

“OS POBRES OCUPAM UM LUGAR PRIORITÁRIO NO EVANGELHO”

A Ir. Maria Mendes pertence à Congregação das Missionárias Servas do Espírito Santo, fundadas por Sto. Arnaldo Janssen. Encontra-se em Portugal há 23 anos. Vinda de Timor-Leste, chegou em 2001. Esteve em vários lugares e abraçou vários desafios. Atualmente trabalha no Centro Social de S. Nicolau, na Baixa da cidade de Lisboa.

Há quanto tempo te dedicas a este trabalho no campo social em S. Nicolau? Como aconteceu a tua chegada a este lugar?
Há oito anos que trabalho como assistente social no CSPSN. Um dia tive uma grande surpresa. Na sequência de contactos anteriores, feitos pela Ir. Maria José Rebelo, conheci o Sr. Pe. Mário Rui. Inicialmente, o encontro tinha como tema a possibilidade de uma residência para a comunidade, mas, nesta reunião, urgiu também a falta de uma Assistente Social no Centro Social. Depois de ter referido que a minha formação académica era nessa área, fui convidada a integrar a equipa do Centro Social.
Comecei as minhas funções no dia 03 de janeiro de 2017 e, até hoje, mantenho essas funções.

E que tem acontecido na tua vida durante estes anos neste Centro Social?
A minha primeira palavra é de Gratidão pela presença real de Jesus entre nós através dos irmãos mais carenciados. Sinto-me renovada na alegria da fé e fortalecida no entusiasmo pela missão!
Não consigo enumerar a quantidade de vidas com que já me cruzei e cruzo diariamente. Nem a quantidade de sorrisos, lágrimas e dificuldades que partilhámos ao longo destes oito anos e que, se Deus quiser, continuaremos a partilhar.
Descubro que o amor é assim. Sem cor, nem raça, é apenas porque é Amor. Sinto que foi o próprio Deus que me chamou, e chama diariamente, através de tantos rostos, histórias e pessoas. Creio que Deus me colocou no lugar certo.

Podes detalhar um pouco do muito que aqui se faz?
O Centro Social Paroquial de São Nicolau é uma Instituição Particular de Solidariedade Social que, enquanto instituição, reflete a importância que a Paróquia de São Nicolau dá ao exercício da caridade. Procura, através das suas respostas sociais, sejam elas: o apoio alimentar e/ou económico a pessoas e famílias carenciadas; a distribuição alimentar a pessoas em condição de sem-abrigo; distribuição de roupa e produtos de higiene pessoal; o acompanhamento domiciliário; o convívio de idosos ou simplesmente a atenção e a escuta, pôr em prática o desafio da Caridade Cristã na Baixa de Lisboa.
Refiro também duas situações caricatas e que ilustram bem uma parte do trabalho.
Muitos dos utentes referem-se a mim como “Irmã São Nicolau”. Uma vez estava eu a passar no Rossio e um senhor perguntou-me se conhecia a Irmã São Nicolau. Respondi: Não conheço, mas porquê? O senhor diz: porque a Irmã São Nicolau ajuda muito os meus amigos e, por isso, eu preciso de lhe pedir ajuda.
Respondi-lhe que não conhecia nenhuma Irmã São Nicolau, mas que conhecia a igreja de São Nicolau. Recomendei-lhe que fosse à igreja de São Nicolau e perguntasse pela irmã. Ele foi ao acolhimento e fez a marcação para o atendimento social. Dois dias depois, quando entrou no meu gabinete, ficou surpreendido e gritou: foi a si que eu encontrei no Rossio e perguntei pela irmã. Respondi que sim, que era eu, mas que o senhor tinha perguntado pela Irmã São Nicolau e o meu nome é Ir. Maria Mendes (risos).
Uma outra situação aconteceu numa visita de apoio domiciliário em que, depois de muito batermos e ninguém nos abrir a porta, descemos a escada e à porta do prédio estavam dois polícias chamados pelos moradores alertados pelo barulho na escada e por alguém a bater muito à porta de um dos vizinhos. Estávamos, afinal, na morada errada e fomos gentilmente acompanhadas até à morada certa.
Atendendo ao hábito que vestíamos, não foram levantadas dúvidas sobre o nosso propósito… (risos)

Os teus olhos mostram preocupação pela realidade que aqui se vive, mas também transmitem alegria. Como é isso?
Agradeço a Deus pelas experiências vividas ao longo destes tempos em que estou neste Centro Social e Paroquial de São Nicolau. Foram, são e serão experiências muito gratificantes.
Na missão com os irmãos carenciados, aprendo também a aceitar as duras realidades da vida. E não é só isso. A partilha das experiências vividas por estes irmãos desafia-me a mim mesma a ser fiel à minha própria vocação como missionária Serva do Espírito Santo.
Todas estas vivências são a prova da missão que o Senhor nos confiou e que tentamos cumprir o mais exaustivamente. O acompanhamento aos mais caren- ciados, nossos irmãos em Cristo. As experiências são um verdadeiro encontro com Cristo que Se revela na pessoa do outro, naquele que tem necessidade de apoio, naquele que é pobre e sofredor. O importante é estarmos abertos para o novo, para o diferente.
Damos testemunho do nosso encontro pessoal com Deus e com a Sua Mise- ricórdia, ao sabermos aprender com o mais simples e sofredor.
Como refere o Sr. Padre Mário Rui, “o exercício da caridade sustenta-se na prioridade que se dá ao louvor de Deus. Quanto mais se estiver de braços erguidos para Deus, mais se estará de mãos estendidas para os irmãos”.
Também as irmãs Ana Vitória, Dominia e Marta desempenham comigo funções que contribuem para o mesmo fim.
Nós, irmãs, agradecemos muito ao Pe. Mário Rui Leal Pedras, pároco da Igreja de São Nicolau, todo o apoio, tanto material como espiritual, assim como toda a logística que nos permite cumprir o testemunho da nossa missão como Missionárias Servas do Espírito Santo.
Ao servir os nossos irmãos mais pobres, estamos a servir Cristo que nos ama, que nos chama e que nos envia a esta missão. Sabemos que Cristo esteve sempre ao lado dos mais pobres e mais desprotegidos. Quando testemunha- mos o Seu amor misericordioso, através de atos de bondade, compaixão e justiça, abrimos o caminho para a mensagem de um Cristo que ama e acolhe a todos sem distinção.

Nas tuas palavras nota-se uma força constante onde te apoias, que se chama Pe. Mário Rui. Quem é o Pe. Mário Rui para ti?
O Sr. Padre Mário Rui é um homem de Deus, acolhedor, de grande coração e com muito amor aos mais pobres. Um líder ao serviço com enorme equilíbrio entre competências práticas, caráter espiritual e integridade.

Que outras pessoas trabalham contigo?
Além dos restantes funcionários do Centro e da Paróquia, passam pelo Centro Social também voluntários de diferentes nacionalidades: Portugal, Brasil, Angola, Timor-Leste, Venezuela, Indonésia, Índia, Alemanha, Itália, França, Canadá e mais…

Já imaginaste o que seria das pessoas que chegam até ti se não existisse o Centro Social S. Nicolau?
Não sei dizer… Não somos os únicos a fazer este trabalho, mas fazemos tudo o que está ao nosso alcance, para dar a resposta necessária a quem nos procura.

A partir da tua experiência, como entendes a celebração do Dia Mundial do Pobre?
Os pobres ocupam um lugar prioritário no Evangelho. Por isso, num mundo profundamente dilacerado pela injustiça e condições de vida infra-humanas, também nós somos chamadas a dedicar o nosso serviço de modo preferencial aos pobres. Segundo a vontade do nosso fundador, Santo Arnaldo Janssen, a nossa tarefa primordial é servir como proclamação da Boa Nova.
Abertas as situações e urgências da época, ele quis ver-nos inseridas na- queles lugares de missão, em que a presença feminina se faz necessária, através do nosso serviço da caridade cristã. Como também referiu o Papa Francisco, “existem muitos sinais concretos de bondade e ternura para com os mais humildes e indefesos, os que vivem mais sozinhos e abandonados. Há verdadeiros protagonistas da caridade, que não deixam faltar a solidariedade aos mais pobres e infelizes”.

Se pudesses definir numa frase, o Centro Social S. Nicolau, qual seria essa frase?
Um lugar onde as pessoas se sentem acolhidas, amadas e dignificadas!

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